Diário de Quarentena. Um soco

Quarentena.
Nome fictício para um período sem ontem e com amanhã duvidoso. Quarenta dias? Duas semanas? Seis meses? Não sei mais o quanto o tempo agora importa.
O tempo é outro.
São outros ritmos. São novas demandas.
Velhos problemas se esvaem ou ganham contornos assustadores.
O tempo pede silêncio, e está difícil calar. Ainda há tanto ruído. Ainda há tanto suplício.
O tempo pede silêncio. Escuta.
Alguém a escuta?
Quarentena.
Levei duas semanas para parar. Para começar a sentir o baque da pausa. Como um soco no peito. Oco.
Nem faxina, nem Big Brother, nem celular.
Silêncio.
Nem cobranças, nem listas de coisas para fazer, nem reflexões brilhantes sobre o inusitado.
Só o silêncio. Esse soco. Esse abraço. Essa angústia.
Quero estar aqui e quero estar longe.
Há uma nostalgia fantasiosa de querer ir para o mato. Para longe. Para o não-aqui.
Como cheguei até aqui?
Tenho uma plataforma, um palco, um palanque virtual.
E simplesmente não consigo.
Não consigo me colocar. Me expressar. Não consigo pensar em algo para ser colocado. “Algo para contribuir”. Só vejo excessos. Transbordam excessos sufocantes em mim.
É como se no silêncio houvesse uma purificação. Um expurgo. Um desvelar de tantas personas.
O que sobra?
Gostaria de pensar que um “self” mais real, bonito, iluminado e pleno.
Mas só tem o soco do vazio e do silêncio.
Passei duas semanas brigando com esse silêncio. Enchendo a cabeça de cobranças inúteis. Enchendo o corpo de alimentos tóxicos. Enchendo o coração de mágoa. Enchendo o espírito de lixo cultural. Enchendo, enchendo, enchendo.
Agora eu sinto o peso do “celular” e o quanto ele me conecta a todo esse lixo. Eu sabia. Eu pensava. Eu sempre tive consciência. Mas não sentia.
Sentir tem um tempo próprio. Não é domado, apressado ou formatado pelo saber consciente. Pode, talvez, ser temperado pelos sais mentais. O sentir aqui é soberano. Reina o inconsciente e quando dá as caras é possível algum movimento.
Ou é possível parar.
Talvez esse seja o maior dos movimentos atuais: parar.